quinta-feira, 9 de agosto de 2007

Amar...

Imagem: Autor desconhecido

Amar...
Que pode uma criatura
senão, entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados amar?

Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal,
senão rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o áspero,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.

Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa, paciente,
de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita...

(Carlos Drummond de Andrade)

2 comentários:

lupuscanissignatus disse...

Pois como não...Até a praia está povoada de limos e de anénomas que morreram de amores pelo mar...

Obrigado por esta pérola do Drummond (até o nome é musical!:))

Dalaila disse...

Olá!
é preciso é ter a capacidade de ver os limos, as anémonas, as pérolas, o mar...
é preciso é amar, dar, partilhar, sonhar, pintar, rodar, rolar, dançar ao rirmo do mundo, viver ao ritmo da palavra, imaginar ao som do olhar, e ouvir ao toque.

É uma pérola musical é verdade, mas só para quem tem a capacidade de ouvir.