sexta-feira, 31 de outubro de 2008

O farol iluminado com bruxas voantes



Hoje elas andam à solta, doces, maravilhosas, feias e bonitas,
inundam as casas com cor, um presente ou uma partida, quem quiser que decida.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Neste terraço


Imagem: Margherita Blasi

Neste terraço mediocremente confortável,
bebemos cerveja e olhamos o mar.
Sabemos que nada nos acontecerá.

O edifício é sólido e o mundo também.

Sabemos que cada edifício abriga mil corpos
labutando em mil compartimentos iguais.
Às vezes, alguns se inserem fatigados no elevador
e vem cá em cima respirar a brisa do oceano,
o que é privilégio dos edifícios.

O mundo é mesmo de cimento armado.

Certamente, se houvesse um cruzador louco,
fundeado na baía em frente da cidade,
a vida seria incerta... improvável...
Mas nas águas tranqüilas só há marinheiros fiéis.
Como a esquadra é cordial!

Podemos beber honradamente nossa cerveja.

(Carlos Drummond Andrade)

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Como se o vento trouxesse




Imagens: Emily Portmann

como se o vento trouxesse
recados
que pudesse abandonar
ao serviço do mensageiro

como se o vento te pudesse levar
e as palavras transformar
no milagre da cerejeira

não descuides o vento
que quem uiva
é lobo faminto

rodeia-te antes do essencial
faz-te cozinheira, semeia o teu quintal

o que por natureza rola
há-de rolar
e tu sozinha
o que podes contra o vento?

(Ana Paula Inácio)

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Adoro-os e amo-os e vou



Passei horas
e horas,
_____dias,
_________semanas,
________________meses,
_______________________anos onde a minha maior companhia eram eles, no coração, no rádio do carro, na aparelhagem de casa, no dvd, no VHS, em Lps, CDS, DVDs, MP3 eles tocavam sempre, e quanto mais tocavam mais eu subia, mais eu caminhava, mais eu ia, mais eu me preenchia, mais eu acreditava, mais eu me inspirava, mais eu ficava em mim. Mais eu era eu, sempre que via mais um concerto na televisão, mais a pele se arrepiava, mais a vontade de os ouvir de novo batia mais forte.

Quando vi em DVD o concerto no Parque Bercy em Paris, senti que há músicas que foram desenhadas, dançadas, escritas, cantadas para nós, é o que aconteceu com a última música do concerto "Never let me down again" que me punha sempre a chorar, sempre arrepiada, sempre com vontade de estar ali no meio daqueles milhares de pessoas a abanar os braços e a sentir a força daquele som, daquelas vozes.

E, assim foi em Lisboa em 2006, estive lá, e senti isso tudo, agora na minha terra do coração no Porto espero vibrar mais uma vez, apesar de sentir que o ar livre tira intimismo, tira presença, tira proximidade, tira magia, mas não tira vontade de os ver, e não arranca músicas, por isso dia 11 de Julho lá estarei nem que chova canivetes, e haverá lá uma música, pelo menos, que será cantada para mim, porque é minha, porque vivo nela e percorro-a em cada acorde, porque me acordou.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Mesa dos sonhos


Imagem: Gwendolyn Kraehenfuss

Ao lado do homem vou crescendo

Defendo-me da morte quando dou
Meu corpo ao seu desejo violento
E lhe devoro o corpo lentamente

Mesa dos sonhos no meu corpo vivem
Todas as formas e começam
Todas as vidas

Ao lado do homem vou crescendo

E defendo-me da morte povoando
De novos sonhos a vida.


(Alexandre O`Neill)

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

O teu sorriso



Imagens: Elene Usdin

Tira-me o pão, se quiseres,
tira-me o ar, mas não
me tires o teu riso.
(…)
Ri-te da noite,
do dia, da lua,
ri-te das ruas
tortas da ilha,
ri-te deste grosseiro
rapaz que te ama,
mas quando abro
os olhos e os fecho,
quando meus passos vão,
quando voltam meus passos,
nega-me o pão, o ar, a luz, a primavera,
mas nunca o teu riso,
porque então morreria.

(Pablo Neruda)

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Das manhãs no vento


Imagem: Gwendolyn Kraehenfuss

Das manhãs
Apenas levarei a luz
Despovoada

Sem promessas
sem barcos
E sem casas

Não levarei o orvalho das ameias
Não levarei o pulso das ramadas

Da tua vez

Levarei os sítios das mimosas
Apenas os sítios das mimosas

As pedras
As nuvens
O teu canto

Levarei manhãs e madrugadas

(Daniel Faria)

terça-feira, 7 de outubro de 2008

As que ainda tocam- eternas!


Imagem: Patrizio Batagllia

Das músicas que já têm uns anos, há muitas que ainda vibram na pele e tocam por dentro:

1. Depeche Mode - Never let me down Again
2. Radio Head - Karma Police
3. Rufus Wainwright - Cigarrettes and Chocolate Milk
4. U2 - Sunday Bloody Sunday
5. Waterboys - The Wole of the moon
6. The Smiths - Panic
7. Tears for Fears - Shout
8. This Mortal Coil - Song to the Siren
9. New Order - Regret
10. Rush - Closer to the heart
11. Everything but a Girl - Missing
12. Apollo Four Forty - Lost in Space
13. Buggles - Video Kill the Radio Star
14. Eurythmics - Sweet Dreams Are Made Of This

e há ainda tantas mais!!!!!

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

O segundo do fim



O Teatro Universitário do Minho apresenta

O SEGUNDO DO FIM de João Negreiros

4 de OUT a 8 de NOV 4F a SAB às 21h30min
Braga Auditório do TUM (perto das Frigideiras da Sé)

Autoria/Encenação: João Negreiros
Elenco: Cátia Cunha e Silva, Dina Costa e Filipe Martins.
Cenografia: João Negreiros.
Desenho de Luz: Rui Maia.
Sonoplastia: João Negreiros.
Figurinos: criação colectiva.
Operação de luz: Benjamim Vaz
Operação de som: Emanuel Mendes

Idades: maiores de 14 anos
Preço: € 4 ; € 2 estudantes e sócios do TUM
Local: Braga Auditório do TUM, Rua do Farto (junto à Sé)
Reservas: teatrum@gmail.com 965530263 / 964344093

Eu não vou faltar!

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Elogio ao amor puro


Imagem: Avela

Quero fazer o elogio do amor puro. Parece-me que já ninguém se apaixona de verdade. Já ninguém quer viver um amor impossível. Já ninguém aceita amar sem uma razão. Hoje as pessoas apaixonam-se por uma questão de prática. Porque dá jeito. Porque são colegas e estão ali mesmo ao lado.Porque se dão bem e não se chateiam muito. Porque faz sentido. Porque é mais barato, por causa da casa. Por causa da cama. Por causa das cuecas e das calças e das contas da lavandaria.

Hoje em dia as pessoas fazem contratos pré-nupciais, discutem tudo de antemão, fazem planos e à mínima merdinha entram logo em "diálogo". O amor passou a ser passível de ser combinado. Os amantes tornaram-se sócios.
Reúnem-se, discutem problemas, tomam decisões. O amor transformou-se numa variante psico-sócio-bio-ecológica de camaradagem. A paixão, que devia ser desmedida, é na medida do possível. O amor tornou-se uma questão prática. O resultado é que as pessoas, em vez de se apaixonarem de verdade, ficam "praticamente" apaixonadas.

Eu quero fazer o elogio do amor puro, do amor cego, do amor estúpido, do amor doente, do único amor verdadeiro que há, estou farto de conversas, farto de compreensões, farto de conveniências de serviço. Nunca vi namorados tão embrutecidos, tão cobardes e tão comodistas como os de hoje. Incapazes de um gesto largo, de correr um risco, de um rasgo de ousadia, são uma raça de telefoneiros e capangas de cantina, malta do "tá, tudo bem, tudo bem", tomadores de bicas, alcançadores de compromissos, banalidades, borra-botas, matadores do romance, romanticidas. Já ninguém se apaixona? Já ninguém aceita a paixão pura, a saudade sem fim, a tristeza, o desequilíbrio, o medo, o custo, o amor, a doença que é como um cancro a comer-nos o coração e que nos canta no peito ao mesmo tempo?

O amor é uma coisa, a vida é outra. O amor não é para ser uma ajudinha. Não é para ser o alívio, o repouso, o intervalo, a pancadinha nas costas, a pausa que refresca, o pronto-socorro da tortuosa estrada da vida, o nosso "dá lá um jeitinho sentimental". Odeio esta mania contemporânea por sopas e descanso.

Odeio os novos casalinhos. Para onde quer que se olhe, já não se vê romance, gritaria, maluquice, facada, abraços, flores. O amor fechou a loja. Foi trespassada ao pessoal da pantufa e da serenidade. Amor é amor. É essa beleza. É esse perigo. O nosso amor não é para nos compreender, não é para nos ajudar, não é para nos fazer felizes. Tanto pode como não pode.
Tanto faz. É uma questão de azar. O nosso amor não é para nos amar, para nos levar de repente ao céu, a tempo ainda de apanhar um bocadinho de inferno aberto.

O amor é uma coisa, a vida é outra. A vida às vezes mata o amor. A "vidinha" é uma convivência assassina. O amor puro não é um meio, não é um fim, não é um princípio, não é um destino. O amor puro é uma condição. Tem tanto a ver com a vida de cada um como o clima. O amor não se percebe. Não dá para perceber. O amor é um estado de quem se sente. O amor é a nossa alma. É a nossa alma a desatar. A desatar a correr atrás do que não sabe, não apanha, não larga, não compreende. O amor é uma verdade. É por isso que a ilusão é necessária. A ilusão é bonita, não faz mal. Que se invente e minta e sonhe o que quiser. O amor é uma coisa, a vida é outra. A realidade pode matar, o amor é mais bonito que a vida. A vida que se lixe. Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre. Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda o que se nos escapa das mãos. E durante o dia e durante a vida, quando não está lá quem se ama, não é ela que nos acompanha - é o nosso amor, o amor que se lhe tem .

Não é para perceber. É sinal de amor puro não se perceber, amar e não se ter, querer e não guardar a esperança, doer sem ficar magoado, viver sozinho, triste, mas mais acompanhado de quem vive feliz. Não se pode ceder. Não se pode resistir.

A vida é uma coisa, o amor é outra. A vida dura a vida inteira, o amor não. Só um mundo de amor pode durar a vida inteira. E valê-la também.

(Miguel Esteves Cardoso)