quarta-feira, 26 de setembro de 2007

Os amantes com casa

Imagem: Paulo Madeira em http://www.olhares.com/

Andavam pela casa amando-se
no chão e contra as paredes.
Respiravam exaustos como se tivessem
nascido da terra
de dentro das sementeiras.
Beijavam-se magoados
até se magoarem mais.
Um no outro eram prisioneiros um do outro
e livres libertavam-se
para a vida e para o amor.
Vivendo a própria morte
voltavam a andar pela casa amando-se
no chão e contra as paredes.
Então era música, como se
cada corpo atravessasse o outro corpo
e recebesse dele nova presença, agora
serena e mais pobre mas avidamente rica
por essa pobreza.
A nudez corria-lhes pelas mãos
e chegava aonde tudo é branco e firme.
Aquele fogo de carne
era a carne do amor,
era o fogo do amor,
o fogo de arder amando-se e por toda a casa,
contra as paredes,
no chão.
Se mais não pressentissem bastaria
aquela linguagem de falar tocando-se
como dormem as aves.
E os olhos gastos
por amor de olhar,
por olhar o amor.
E no chão
contra as paredes se amaram e
pela casa andavam como
se dentro das sementeiras respirassem.
Prisioneiros libertados, um
no outro eram livres
e para a vida e para o amor se beijaram
magoando-se mais, até
ficarem magoados.
E uma presença rica,
agora nova e mais serena,
avidamente recebeu a música que atravessou de
um corpo a outro corpo
chegando às mãos
onde toda a nudez é branca e firme.
Com uma carne de fogo,
incarnando o amor,
incarnando o fogo,
contra o chão das paredes se amaram
pressentindo que
andando pela casa bastaria tocarem-se
para ficarem dormindo
como acordam as aves.

(Joaquim Pessoa in 125 poemas)

Os amantes terão casa?
Ou serão eles a casa?
A voz dos amantes ecoa....
Os amantes passam a um só,
E assim... se moldam nas paredes...

9 comentários:

lupuscanissignatus disse...

Claves de paixão.

Os amantes possuem as chaves de todas as casas. É deles toda a terra, todo o chão e paredes. São eles que, com a força dos pedreiros, abrem os alicerces da música do desejo...

Pedra a pedra...

Degrau a degrau...

M.A. disse...

a casa dos amantes é tão bela! São como as aves..voam de céu em céu...


LIndo!!!




***maat

Dalaila disse...

Olá Lupussignatus!

Essa casa, essa pedra, esses alicerces, esse chão e as paredes... tem que ser a casa!

Amei o teu poema!

Dalaila disse...

Olá Maat!

Voa voa a casa voa... como a pele...

:)

SILÊNCIO CULPADO disse...

Os amantes são tudo isso, a matéria e a essência a liberdade, o tudo e o nada. Só quando o fogo que os consome se transforma em cinzas a casa precisará de ser uma casa que os abrigue do vento norte.

SEMPRE disse...

O mar, o silêncio e o vento norte transportam-me algures para uma ilha no Algarve onde várias vezes me refugiei na minha infância. Agora refugio-me neste poema onde a casa é construída pela paixão e onde os amantes fazem da paixão a sua própria casa naquele período de desvario onde a morte não tarda.

Dalaila disse...

Olá Silêncio Culpado!

Há sempre uma abrigo para o vento, e há sempre um vento diferente, nómada, que nos leva para outra casa

Dalaila disse...

Olá ninho de cucos!

Mas a morte de quem viveu...
A casa que tem marcas...

:)

ContorNUS disse...

sensorial figuram no espaço...nos silêncios ecoam espectrais