sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Rio

Imagem: Naoya Hatakeyama

Mirar o rio, que é de tempo e água,
E recordar que o tempo é outro rio,
Saber que nos perdemos como o rio
E que passam os rostos como a água.

E sentir que a vigília é outro sonho
Que sonha não sonhar, sentir que a morte,
Que a nossa carne teme, é essa morte
De cada noite, que se chama sonho.

E ver no dia ou ver no ano um símbolo
Desses dias do homem, de seus anos,
E converter o ultraje desses anos
Em uma música, um rumor e um símbolo.

E ver na morte o sonho, e ver no ocaso
Um triste ouro, e assim é a poesia,
Que é imortal e pobre. A poesia
Retorna como a aurora e o ocaso.

Às vezes, pelas tardes, uma face
Nos observa do fundo de um espelho;
A arte deve ser como esse espelho
Que nos revela nossa própria face.

Contam que Ulisses, farto de prodígios,
Chorou de amor ao avistar sua Ítaca
Humilde e verde. A arte é essa Ítaca
De um eterno verdor, não de prodígios.

Também é como o rio interminável
Que passa e fica e que é cristal de um mesmo
Heráclito inconstante que é o mesmo
E é outro, como o rio interminável.

(Jorge luís Borges)

9 comentários:

PoesiaMGD disse...

Gostei do teu blog! Parabéns pelo poema bem conseguido!
Um abraço

http://www.escritartes.com/forum/index.php?referredby=3

lupuscanissignatus disse...

Novo dia, nascente de águas mornas e gélidas, poluídas e cristalinas. Efervescente de luz e sombras...

É o mesmo rio onde ontem me banhei ou um novo que recomeça?

Anónimo disse...

Ah, o Borges... um doce, brilhante e belo cego vidente!


Foto belíssima!

Abraços, flores, estrelas..

SILÊNCIO CULPADO disse...

Jorge Luís Borges era um grande poeta mas, na fase final da sua vida, a ideia da decadência e da morte começaram a tornar-se uma constante. Por isso ele diz "As bigornas e os crisóis da tua alma trabalham para o pó e para o vento".
E é este sentimento desolador que faz com que ele considere que é pobre a poesia.
Ainda estou na fase em que temo mais a vida do que a morte e em que acho que as palavras podem ter um efeito tão devastador como qualquer guerra. Por isso peço à poesia que não seja pobre e nos releve deste mergulho interior que, por vezes, não é mais que medo. Porque cada instante deve ser saboreado na certeza de um fim certo. E saborear é ser rico interiormente, não só escrevendo poesia como procurando as mensagens que ela contém para as partilharmos com os outros.
Bem hajas Dalaila

Anónimo disse...

Belo na essência...
Um rio pode sempre ser um espelho!
Um espelho da ALMA que reflecte o que simplesmente permitimos ver nê-le.
Um espelho na atitude, que apresenta o amor que sentimos pela vida e o desprezo pela morte porque simplesmente não a pensamos.
Talvez um dia...Hoje amo.Hoje partilho.Hoje sinto o sopro de um vento norte, que embora por vezes mais frio, me aquece com o sabor a poesia.Bons ventos!Boas orientações.

Beijo grande!

~pi disse...

dos rios que correm por dentro...


*

un dress disse...

...e das cores que lhes pintam

as intermináveis

tardes...!





:)beijO

nana disse...

obrigada


tanto


por isto.

Dalaila disse...

Olá poesia mgd!

Bem encontrado... ele não é meu, é do Horge Luís Borges.

olá Lupus!

Cristalino, puro, e forte...

ontem deitaste-te nele, e saí nasceu um novo.

beijinho

Olá edson!

Escrita magnifica a do Borges....

olá silêncio

para mim a poesia é para comer... a qualquer hora... desde que me transporte

lindas as tuas palavras,
obrigada

Olá just a friend!

Sente i vento, com frio, sente as rajadas da amizade, porque só elas nos fazem caminhar para os rios ouros e tranquilos.

Beijo

Olá Pi!

e nos molham o pensamento

Olá un dress!

e vão desbotando no rio...

Olá nana!

è magnifico, mesmo